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Em Moura, num meio pequeno, tudo quanto se passava era do conhecimento geral. A importância dada as situações era de acordo com as personagens envolvidas. Está claro, que o caso da Juíza com o marido, não podia passar desapercebido. No entanto, o julgamento popular, absolveu Irene.
- Ele era uma pessoa sem carácter!. … Um valdevinos da pior espécie!. … Tanto tempo, aqui sem fazer nada, a viver à custa da mulher!. … O gajo, era mas é um chulo!. … A doutora é que “os” teve no sítio ao correr com ele!. … Para mim subiu na consideração!. …
Isto é um exemplo das inúmeras conversas de café, e não só, em torno do caso. Irene, soube de algumas e ficou reconhecida.
Enfrentar a nova situação, foi fácil para Irene, depois de passar o ano que passou com Jorge. Foi uma lição de vida!... Não perdeu o seu carácter forte!. Continuou determinada e combativa. Tornou-se menos fria e menos calculista. No fundo aprendeu a viver. Dimensionou o seu modo de vida ao ordenado, que não era nada pequeno. Arrumou as ideias e seguiu em frente!....
Habituou-se a viver sozinha. Nenhum homem a procurou, mas também não era sua intenção dar-lhes abertura!... A experiência com Jorge saiu-lhe demasiado cara!... Admitiu, pela primeira vez, que os quatro anos que passou com Rafael, foram os melhores da sua vida. A pensar nisto, resolveu contactá-lo. Numa deslocação a Lisboa, procurou-o na casa onde já tinham morado juntos. Soube, então que estava alugada. O inquilino sabia que o senhorio se tinha ausentado para longe, mas não sabia onde. O contacto com ele era o mesmo endereço que tinha deixado a Irene: Um Apartado. Os inquilinos do prédio, disseram-lhe o mesmo!... Em última tentativa ainda enviou uma carta para o Apartado. Uma carta muito pequena. Tão pequena, que mais parecia uma mensagem: “… Estou livre e vivo sozinha … confesso, que depois do que passei tive saudades tuas ... passei contigo o melhor tempo da minha vida… se pudesse voltar atrás, certamente tudo seria diferente … Estou á tua disposição, se ainda quiseres…..”. Não teve resposta.
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Entretanto passaram-se três anos. No Alentejo já estava há oito. Ali fez a sua carreira profissional. A sua competência foi reconhecida. Subiu os dois graus na escala da Magistratura permitida em tribunais desta dimensão. Subir mais só se concorrer a tribunais com outra envergadura. E, foi o que fez. Concorreu á comarca de Lisboa a qualquer vaga que houvesse. Foi imediatamente colocada. Ao fim dos três meses, obrigatórios, de acompanhamento do substituto, mudou-se definitivamente. Deixou saudades em Moura e ela própria sentiu a nostalgia da partida. Afinal, foi ali que passou os melhores momentos da sua vida e que a sua carreira profissional mais se desenvolveu. Em toda a sua vida, jamais esqueceria aquela terra.
Em Lisboa a sua ascensão foi bastante rápida. A sua capacidade de trabalho e a facilidade na estrutura Judicial, permitiram-lhe em cinco anos chegar a Juíza Relator e colocada no Supremo Tribunal de Justiça. Aos quarenta e um anos de idade chegou ao topo da carreira. Manteve-se ali até à aposentação.
O Supremo, era muito diferente dos Tribunais de Instância. Normalmente lidava com acções de recurso. Acções julgadas em Tribunais de Instância e que voltavam a ser julgadas a pedido dos respectivos réus.
Exercia funções, há cerca de um ano, quando começou a analisar um pedido de recurso. Tinha a ver com uma farmácia, dois médicos e um laboratório. Ao ler a secção de identificação dos intervenientes, o seu coração, deu um pulo. O nome “Carlos Grave” foi a causa. Verificou de imediato a origem do pedido, o que não era seu hábito, e confirmou o pressentimento: Era da Guarda e a farmácia era a dos Graves. – Olá!. Não é, mesmo, coincidência de nomes!. … Com que então os senhores em apuros!. … Como vou gostar de ver a cara da Sra. Dra. Eunice!. – Pensou e continuou a ler o processo.
A vontade de Irene foi vingar-se. Tinha-os na mão. Era tão fácil arranjar argumentação para os “crucificar”, se quisesse. – Não. Não me vou aproveitar do cargo para vinganças!. … Vou passar o processo!. … Mas, não desperdiço a oportunidade de dar uma lição à megera!. – Decidiu Irene.
Falou com um colega e expôs a situação, omitindo, obviamente, o episódio que teve com aquela família na adolescência. Justificou a pretensão, com o facto de ter estudado na Guarda e conhecer os proprietários da farmácia e um dos médicos envolvidos, o que poderia, naturalmente, por em causa a imparcialidade. A justificação era mais que aceitável e o colega concordou.
A transição do processo entre Juízos era feita na presença de todos os intervenientes, uma vez que estes já tinham conhecimento dos nomes da equipa que iria movimentar a acção no Supremo. Se, no julgamento deparassem com outro Juiz, o advogado podia, legitimamente, impugnar todo o processo.
O tribunal fez a convocatória.
No dia, Irene em vez de entrar pelo acesso privado, fê-lo pela entrada principal. O objectivo era óbvio. Encarar de frente os Graves. Teve sorte. Na lateral direita do átrio, afastados dos outros intervenientes, lá estavam eles: O Carlos, a pencuda, a megera e presumivelmente o advogado. Vinte e tal anos depois, voltava a ver aquela gente. Estavam diferentes mas perfeitamente reconhecíveis. A Dra. Eunice, apoiada numa bengala, tinha perdido o seu porte arrogante!. Foi a primeira a vê-la. Chamou a atenção dos outros. Em passo apressado, interceptaram-na a meio do átrio .
- Olá Irene!. – Cumprimentou Carlos.
- Olá filha! – Cumprimentou a Dra. Eunice
- Já uma vez lhe disse para não me chamar filha!. Esqueceu? – respondeu asperamente Irene. Helena não disse nada. O advogado ficou espantado e viu que ali havia algo que desconhecia.
- Sabemos que tens razões mais que suficientes para nos odiares!. Mas, isso agora já não adianta!. Cada um tem a sua vida e recordar o passado não muda nada!. … Em memória do meu pai, que já faleceu, peço que nos tenhas em atenção no julgamento!. – Suplicou Carlos.
- Estás enganado!. Eu não vos odeio!. …Repito-te o que disse à tua mãe: “ Ainda bem que aquilo aconteceu!. Acho que teria nojo de pertencer à tua família” !. … Lembra-se – Disse Irene voltando-se para a mãe de Carlos.
- Dissestes isso à minha mãe? … Quando? …
- Pergunta-lhe!. Está aí mesmo ao teu lado!. … Se insistires, até, talvez consigas arrancar um segredo dessas duas!. – Espicaçou Irene.
- Não estou a perceber nada!. … A mãe tem alguma coisa a dizer?. Ou tu , Helena?
Entreolharam-se e ficaram caladas. … A cara de Helena era de pânico!. …
- Então! … Sra. Dra. Eunice perdeu a língua?. … Da última vez que falei consigo tinha mais vontade de falar!. … De falar, não!. De amachucar, é o termo mais correcto!.
O advogado alheio ao que se passara entre eles estava perplexo. Sabia que se conheciam. O Carlos Grave disse-lhe e, até, vinha esperançado!. Mas, pelo que estava a assistir, parecia-lhe que a esperança, só na imaginação!.
- Bem!. Vamos lá acabar com isto!. … Pediste-me que tivesse em atenção o processo!. … Já lhe dei a atenção que devia dar!. … Por iniciativa minha vai transitar de Juiz!. … - Voltou-se para o advogado e continuou – O motivo é a preservação de imparcialidade!. Reparou que conheço os seus constituintes e eles conhecem-me. Tenho receio de, inconscientemente, não ser isenta!.
O advogado assentiu com um aceno de cabeça.
Irene aproximou-se da Dra. Eunice e muito baixinho, ao ouvido, disse-lhe: - Esteja descansada que vão ter um Juiz do vosso nível!. Sem se despedir, afastou-se em direcção ao auditório.
No auditório o Juiz continuador do processo tomou a palavra e expôs a situação. Irene manteve-se calada. Com prazer apreciou do alto da tribuna dos Juízes, a triste figura da Dra. Eunice!. – Megera!. Vês como és pequenina!. … Afinal onde é que deixaste a arrogância?. … Pobre de espírito!. – Disse para si própria.
Desta forma, o destino encarregou-se de dar a Irene a oportunidade de, sem espírito de vingança, cobrar a humilhação que sofreu daquela gente, na fase mais crítica da sua vida, a adolescência!
Epilogo
Irene, em Lisboa dedicou-se exclusivamente à carreira. Como não obteve resposta de Rafael, não deu mais abertura a homem nenhum. Ainda teve algumas insinuações, mas não deu hipótese.
A sua capacidade de trabalho e a facilidade na estrutura Judicial, permitiram-lhe subir na hierarquia jurídica rapidamente. Em cinco anos chegou a Juíza Relator e colocada no Supremo Tribunal de Justiça. Com quarenta e um anos de idade atingiu o topo da carreira e integrava o grupo dos cinco melhores juízes nacionais. Manteve-se no Supremo, durante 20 anos.
Aos sessenta anos, aposentou-se e continuou a viver em Lisboa.
Quanto a Rafael, estava bem. A vida na Beira era óptima. Embora vivesse sozinho, não o sentia. O circulo de amigos era grande e tinham muita estima por ele. Raramente vinha a Lisboa. Das raras vezes que isso aconteceu foi para vender o prédio aos respectivos inquilinos. Também estava prestes a vender a casa onde habitou. Nunca mais viu Irene, nem tentou. Soube que estava livre pela carta que lhe escreveu e soube do seu êxito profissional, pela televisão, quando deu uma série de entrevistas relativas a um caso que se arrastou por bastante tempo. Ficou contente!. Afinal ela fez parte da sua vida durante quatro anos, e não podia dizer que tenham sido maus!...
Os pais e irmão de Irene estabilizaram por Coimbra e por lá se mantiveram.
O Rui e Beatriz, economistas, conseguiram trabalho por ali. O Rui, mesmo na Cidade, a esposa nos arredores. A irmã tentou convencê-los a ir para Lisboa, alegando que tinham mais oportunidades, mas recusaram. Viviam razoavelmente e fora da confusão da capital!. Tiveram três filhos: O Rui, a Maria e a Matilde. Foram um casal feliz.
Os pais, aposentaram-se com sessenta e dois anos. Tinham uma forte ligação ao filho e aos netos. Davam-lhes toda a ajuda necessária. Dada a disponibilidade de tempo de que dispunham, aproveitaram fazer o que não conseguiram antes, viajar!. Ficaram a conhecer, quase, toda a Europa.
Leonor, a amiga de infância de Irene, casou logo que terminou o curso. Conseguiu colocação no Hospital Distrital de Castelo Branco e por lá ficou. Teve uma filha. Nunca mais teve contacto com Irene e soube do seu êxito, pela televisão, tal como Rafael.
Os Graves perderam o recurso da acção que lhes tinha sido movida. Foram obrigados a pagar indemnizações e foi-lhes tirado o alvará das farmácias. Não ficaram pobres, mas o poder económico de que dispunham ficou, bastante, abalado.
O Carlos, nunca veio a saber da tramóia de que foi vitima. Soube, pelas insinuações de Irene, que algo se tinha passado, mas o segredo foi bem guardado. À pressão que Carlos fez à mãe e à Helena, para saber algo, obteve como resposta que Irene era caluniosa e cujo objectivo, dela, era prejudicar a família. Carlos ficou desconfiado, mas deitou o assunto para trás das costas.
A Dra. Eunice ao se aperceber da posição de Irene, arrependeu-se do que tinha feito. Nesta altura admitiu, que Helena ao pé de Irene era uma sombra. Como já não havia nada a fazer, não o confessou a ninguém. Faleceu aos oitenta e cinco anos e manteve-se sempre a lúcida.
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